vocês seguir caminho”. Mas você também seguiu seu caminho, aferrando-se à vida em uns meses mais até o momento preciso em que tinha chamado a morte para que o viesse buscar. Nem um dia antes, nem um dia depois.
O que me leva a pensar assim? O fato de que em cada uma das coisas que fez desde sua juventude sempre transmitiu um significado revolucionário. A simbologia da Revolução acompanhou-o toda sua vida. Você foi um maestro consumado na arte de se referir à Revolução e sua necessidade em cada momento de sua vida, pronunciando vibrantes discursos, escrevendo milhares de notas e artigos, ou simplesmente com seus gestos. Sobreviveu milagrosamente ao assalto ao Moncada e aí, de “ pura casualidade”, você aparece ante seus juízes justo embaixo de um quadro de Martí, o autor intelectual do Moncada! Quem poderia achar que isso foi um fato casual? É verdadeiro: a morte foi buscá-lo infinitas vezes, mas nunca o encontrou: debochou aos esbirros de Batista que o buscavam no México e sobreviveu a mais de seiscentos atentados planejados pela CIA. Você ainda não a tinha chamado e ela, respeitosa, esperou que você o fizesse.
Um homem como você, Comandante, que fazia da precisão e da exatidão um culto, não podia ter deixado a esmo seu passo à imortalidade. Revolucionário integral e inimigo do culto à personalidade (exigiu que, à sua morte, não tivesse uma só praça, rua, edifício público em Cuba que levasse seu nome) quería que a recordação de sua morte não fosse só uma homenagem a sua pessoa. Por isso lhe ordenou que o viesse a buscar justo no mesmo dia em que, sessenta anos antes, fazia deslizar rio abaixo –sem ligar os motores– o Granma, para iniciar com seu travesía a segunda e definitiva fase de sua luta contra a tiranía de Batista. Queria dessa maneira que a data de sua desaparição se associasse a uma meta inesquecível na história da Revolução cubana. Que ao recordar você as seguintes gerações recordassem também que a razão de sua vida foi fazer a Revolução, e que o Granma simboliza como poucos seu legado revolucionário.
Conhecendo-o como o conheci sei que você, com sua enorme sensibilidade histórica, jamais deixaria que um gesto como este –a lembrança da epopeia do Granma– ficasse a esmo. Porque você nunca deixou nada a esmo. Sempre planificou tudo muito conscientemente. Você me disse em mais de uma ocasião “Deus não existe, mas está nos detalhes”. E alinhado com esta atitude o “detalhe” da coincidência de sua morte com a partida do Granma não podia passar inadvertida a uma mente tão lúcida como a sua, o seu olhar de águia que via mais longe e mais fundo. Além disso, seu sentido do tempo era afinadísimo e sua paixão pela pontualidade extraordinária. Você atuou toda sua vida com a precisão de um relógio suíço. Como ia deixar que a data de sua morte ocorresse em qualquer dia e sepultasse no esquecimento a partida do Granma e o início da Revolução em Cuba? Você quis que a cada ano, ao homenagear a sua figura, se recordasse também o heroico começo da Revolução naquele 25 de novembro de 1956 junto a Raúl, o Che, Camilo, Ramiro, Almeida e tantos outros. Você a chamou e a morte, que sempre respeita os grandes para valer, veio pontualmente. Não se atreveu a desafiar seu mandato. E seus médicos também não, aos quais estou seguro lhes advertiu que não lhes ocorresse lhe aplicar medicamento algum que estragasse seu plano, que sua morte ocorresse antes ou após o que você tinha decidido. Ninguém deveria interpor a sua vontade de fazer de sua própria morte, como o tinha feito ao longo de toda sua vida, seu último grande ato revolucionário. Você o planificou com a minuciosidade de sempre , com essa “paixão pelos detalhes” e a pontualidade com que fez cada uma de suas intervenções revolucionárias. Por isso hoje, a um ano de sua partida, o recordamos como esse Prometeu continental que aborda o Granma para lhe arrebatar o fogo sagrado aos deuses do império que pregavam a passividade e a submissão para que, com ela, os povos de Nossa América acendessem o fogo da Revolução e abrissem uma nova etapa na história universal.
Até a vitória sempre, Comandante!